Vasco Martins Cabo Verde Sinfónico

‘Danças de Câncer’ é uma suite que foi composta entre 1989 e 1991. O título deve-se à aproximação de Cabo-Verde com o Trópico de Câncer’, simbolicamente o símbolo zodiacal do começo do verão, que coincide com as chamadas ‘festas juninas’ ligadas á fertilidade da terra, já foram nesta ‘suite’ partes rítmicas provenientes desses ritmos. Tem a duração aproximada de 53 minutos, e é dividida em 14 partes.

Em ‘Danças de Câncer’ foram usados os seguintes ritmos de Cabo-Verde: Batuque, Mazurka, Sanjon, Funáná, Coladeira, Morna. Algumas partes da ‘suite’ , foram inspiradas no mar que rodeia o arquipélago, tais como os temas ‘Horizonte ondulante’ ‘Navegando’ e ‘Mar sereno’.

A primeira critica surgiu no ‘Le Monde’, assinada por Anne Rey:

« Vasco Martins n’a jamais renoncé à se comporter en avant-gardiste, sur une des terres les plus pauvres du monde, terre qui ne peut lui garantir ni public, ni interprètes, ni débouchés. Néanmoins il a composé, comme on lance une bouteille à la mer, une suite symphonique intitulée « Danças de Câncer », dont la grâce d’orchestration, les subtilités harmoniques et les contrepoints rythmiques n’ont rien à envier aux impressionnistes français, versant exotique. Comme du Ravel ou du Chabrier, ces danses sont légères d’apparence, très difficiles à exécuter. Si l’on ressent une émotion et une admiration particulières à écouter du Vasco Martins, c’est que ce musicien crée, au sens propre, dans le désert. Vasco Martins sait faire sonner un grand orchestre symphonique. Une découverte, en somme. »

A Sinfonia nº1

Ao longo de um ano fui escrevendo e orquestrando a Sinfonia 1, à qual pus outro nome, Equinócios’, mais uma vez celebrando o início da nossa primavera azul fustigada pelos fortes ventos. É uma sinfonia algo barroca, com ritmos compostos, ritmos da coladeira ou da mazurca que talvez não estejam evidentes, mas lá estão. Da mesma maneira a morna também lá está.

A sinfonia ‘Equinócios’ ficou com 4 andamentos. Foi tocada em Cabo Verde (S.Vicente, Festival Baía das Gatas, na versão para quarteto de cordas, pelo Quarteto Artzen e em Coimbra, pelo Quarteto da OCC, mais ou menos dez anos depois de ter sido composta. Mas, em Abril de 2015, acrescentei algumas partes no segundo andamento (inspiradas no batuque).

Em 1998 comecei a escrever a Sinfonia 2, Erupção a partir de uma simples célula repetitiva.

Esta sinfonia, ainda na continuação de Danças de Câncer e da Sinfonia nº 1, foi inspirada nos ritmos da música tradicional de Cabo Verde.

A composição e orquestração desta sinfonia duraram dois anos. No entanto resolvi dividi-la em duas sinfonias porque comecei a considerar que era demasiado longa.

A Sinfonia nº 2 tem um começo algo ‘vulcânico’ porque foi inspirada na erupção do vulcão do Fogo em 1995. O primeiro e segundos andamentos são rítmicos, brilhantemente rítmicos: estão presentes o batuque, o sanjom, a coladeira, a coleicha do Fogo. O segundo andamento é o ‘espírito’ da morna, talvez mais dramatizado. Quis expressar a ‘melancolia existencial ‘que podemos sentir em certas mornas e pressentimos na alma cabo-verdiana: ilhas vulcânicas do deserto, o espectro da seca, o mar-fronteira, mas também o país azul e dos extraordinários matizes do castanho e país Atlântico.

Dois anos depois da erupção, fui ver os vestígios ainda fumegantes deste fenómeno vulcânico, o que me inspirou novas ideias para a composição posterior, quando a dividi em duas. O terceiro andamento volta de novo à rítmica que simboliza, desta vez, a vida e a continuação. Existe sempre nas sinfonias ‘cabo-verdianas’ um tom, mesmo que leve, da nossa eterna perseverança.

A Sinfonia 3, Arquipélago magnético tem 3 andamentos, tendo o último, o título final generoso.

É uma sinfonia que pretende ter algo de épico. O desenvolvimento do primeiro andamento, quase todo em compasso composto, atinge na coda final um andamento do funáná sincopado, numa sucessão de acordes e melodias repetitivos até atingir um fortissimo orquestral.

Como Uma Moeda de Prata é dedicada ao luminoso escritor cabo-verdiano António Aurélio Gonçalves: na entrevista que João Freire lhe fez em 1979, o AAG cantarolou uma antiga e desconhecida morna que eu orquestrei (a única), e fiz as devidas variações para orquestra. Esta peça tem também uma parte inspirada na Mazurca, de que ele gostava muito, e termina numa espécie de hino glorioso. Quanto ao título, ‘Como uma moeda de prata’, eis a sua história, um tanto fantasiosa é verdade, mas bastante poética e bonita: AAG gostaria da palavra fenolftaleína (com certeza um produto farmacêutico). E teria dito: ‘é como uma moeda de prata, rolando numa escadaria de mármore em noite de Lua Cheia’.

Esta peça foi gravada e várias vezes tocada pela Orquestra Clássica do Centro.

Em ‘4 notas na cidade (do Mindelo)’, o tema principal é inspirado no refrão das vendedeiras de peixe, ‘oli cavala frek’, que evolui para certas subtilezas melódicas da Morna. Teve uma primeira versão para clarinete e orquestra de cordas, versão essa que foi estreada em Paris em 2003 , dirigida por Henri-Claude Fantapié. A versão proposta para audição é para clarinete e orquestra clássica (2016).

Morna Spirit é uma espécie de ‘playlist’ de 16 minutos que inclui mosaicos orquestrais das peças inspiradas na Morna.

Diga-se que há uma espécie de ‘espírito da Morna’: no sentido do ‘fluir diáfano’. Na verdade, é o que sinto sem preconceitos de qualquer ordem, em relação à Morna: ela passa por mim, há uma alquimia e depois sai com a amplitude do que sou, como homem e artista criando nestas ilhas atlânticas. Não tem a ver só com a música, mas com todo o ambiente físico e imagético do Arquipélago.